Superior Tribunal de Justiça define que indenizações e dívidas civis devem ser corrigidas pela SELIC.
Na quarta-feira (21/08/2024), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalizou o julgamento que estabeleceu a aplicação da taxa Selic como o índice de correção para todas as dívidas civis e indenizações. Essa decisão terá um impacto nacional, afetando dívidas civis reconhecidas pela Justiça em várias áreas, incluindo multas e condenações por danos morais e materiais.
De acordo com o entendimento prevalente, a taxa Selic, que é a taxa básica de juros estabelecida pelo Banco Central, deve ser aplicada sempre que a indenização não decorrer de uma relação contratual. Nos casos em que a dívida civil resultar de um contrato entre as partes, a Selic deve ser utilizada na ausência de um índice de correção previsto no próprio contrato.
Para facilitar a compreensão da mudança estabelecida pelo STJ, este artigo tem o intuito de apresentar uma breve síntese de como as correções monetárias e os juros de mora eram aplicados anteriormente e como passarão a ser com o novo entendimento.
TRANSFORMAÇÕES NA LEGISLAÇÃO: UMA ANÁLISE COMPARATIVA
Diariamente, pessoas físicas e jurídicas firmam contratos privados com a finalidade de definir as condições para a prestação de serviços ou fornecimento de bens. Embora a legislação estipule as consequências do inadimplemento, é comum que esses contratos não especifiquem claramente os critérios para a aplicação de encargos moratórios, como os índices de correção monetária e as taxas de juros moratórios.
Na ausência de parâmetros acordados, o que resulta em omissão contratual, o credor pode recorrer ao Poder Judiciário para a recuperação do crédito. Nessa situação, serão seguidos os critérios legais previstos para os encargos moratórios relacionados às dívidas civis. É importante destacar que as dívidas indenizatórias também se encontram nesse contexto.
A título de esclarecimento, a atualização monetária tem como objetivo preservar o valor real da prestação em face dos efeitos negativos da inflação durante o período de inadimplemento. Por outro lado, os juros moratórios visam penalizar o devedor pelo atraso no cumprimento da obrigação.
Antes da promulgação da Lei Federal nº 14.905/2024, nos casos em que não havia previsão contratual para o índice de correção monetária, os tribunais geralmente adotavam o INPC/IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ou, em alguns casos, aplicavam índices específicos de cada Tribunal, como o utilizado no Paraná, que considera a média dos índices do INPC e IGP/DI para correção.
E em relação aos juros, a regra válida era estipulada pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 406, ” quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.” Além disso, valia-se também o § 1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional, que estabelece “se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês”.
A partir da década de 90, várias normas foram criadas ou alteradas em relação à correção monetária e aos juros que seriam aplicados nas hipóteses da lei, e em decorrência da intensa atividade do Judiciário sobre esse tema, surgiu uma controvérsia nos tribunais a respeito do tema até que, em 1º de março de 2023, a Corte Especial do STJ iniciou o julgamento do REsp 1.795.982/SP para decidir a forma de atualização das dívidas civis.
A tese vencedora, por uma maioria de 6 votos a 5, estabeleceu que o índice a ser aplicado é a Selic. A decisão também determina que a Selic deve ser aplicada em todos os casos de indenizações que não tenham origem em relações contratuais que prevejam outros índices de correção.
Sendo assim, criou-se a Lei 14.905/2024, na qual alterou o Código Civil sobre o tema, estabelecendo a Selic e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) como índices oficiais para os juros de mora e a correção monetária das dívidas civis, respectivamente. O IPCA é calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e é considerado a inflação oficial do país.
Os novos critérios legais para a atualização monetária e juros moratórios das dívidas civis e indenizações passaram a vigorar a partir de 30 de agosto de 2024, 60 dias após a data da publicação da nova lei (1°.07.2024), nos termos de seu artigo 5º.
Embora não conste expressamente no texto legal, é oportuno ressalvar que os novos critérios estabelecidos pela Lei nº 14.905/2024 não poderão retroagir para alterar títulos executivos judiciais provenientes de condenações transitadas em julgado, em respeito à intangibilidade da coisa julgada, ou do mandamento mais amplo que lhe dá origem, que consiste na segurança jurídica, conforme o artigo 6º da LINDB e o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.
O MÉTODO DE CÁLCULO A SER DEFINIDO PELO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL
Com a nova legislação, estabeleceu-se que, na ausência de estipulação contratual ou de previsão em lei específica, a correção monetária será calculada com base no IPCA, ou índice que venha a substituí-lo e que os juros moratórios legais, por sua vez, serão definidos conforme a taxa referencial do Selic, descontada a variação do IPCA (§ 1º, art. 2° da Lei 14.905/24).
Entretanto, a metodologia exata para o cálculo da taxa legal de juros será ainda estabelecida pelo CMN – Conselho Monetário Nacional e divulgada futuramente pelo Banco Central do Brasil (§ 2º, art. 2° da Lei 14.905/24).
Mas a lei, já estabeleceu em seu parágrafo terceiro que, caso o IPCA seja superior à taxa Selic, resultando em uma taxa de juros legal negativa, esta será considerada como zero.
Assim, até que a metodologia seja divulgada, as regras do artigo 2° da nova legislação permanecem em vigor, devendo os novos cálculos serem realizados conforme estabelecido na norma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei 14.095/24 e a recente decisão do STJ trouxeram mudanças significativas no ordenamento jurídico brasileiro ao definir a taxa Selic como a taxa legal para juros de dívidas civis e indenizações, além do IPCA para a correção monetária. Com essa alteração, o Código Civil foi atualizado para uniformizar a aplicação desses índices, garantindo um novo parâmetro judicial.
No entanto, ainda se aguarda a definição e publicação de um método de cálculo específico pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para a aplicação da Selic, o que trará mais clareza sobre a sua utilização em processos judiciais e na atualização de valores devidos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2022. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2002.
BRASIL. Lei Nº 14.905, de 28 de junho de 2024. Dispõe sobre atualização monetária e juros. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2024.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Assembleia Nacional Constituinte, 1988.
MORAES, Luciano Oliveira de. A lei 14.095/24 e a correção de dívidas civis com a taxa Selic. Migalhas, 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/410813/a-lei-14-095-24-e-a-correcao-de-dividas-civis-com-a-taxa-selic. Acesso em: 1° out. 2024.
PONTES, Felipe. Brasília: Indenizações e dívidas civis devem ser corrigidas pela Selic. Agência Brasil, 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-08/indenizacoes-e-dividas-civis-devem-ser-corrigidas-pela-selic. Acesso em: 10 out, 2024.
BARONE, Maria Rossi. Alterações implementadas pela lei 14.905/24 e os novos limites em termos de juros e correção monetária. Migalhas, 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/413677/lei-14-905-24-e-novos-limites-em-termos-de-juros-e-correcao-monetaria. Acesso em: 15 out, 2024