Por Camila Fregonese

Imagine que você é proprietário de uma empresa respeitável, dedicada a construir uma reputação sólida no mercado. Certo dia, ao navegar pela internet, depara-se com um vídeo no YouTube que difama sua marca, espalhando informações falsas e prejudiciais. Preocupado com o impacto negativo, você aciona a Justiça brasileira, que prontamente ordena a remoção do conteúdo ofensivo. No entanto, para sua surpresa, o vídeo continua acessível em outros países, perpetuando o dano à sua imagem internacionalmente.

              Este cenário ilustra um caso recente julgado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por maioria de votos, considerou possível atribuir efeitos extraterritoriais a decisões judiciais brasileiras que determinam a retirada de conteúdos ofensivos da internet. A corte entendeu que, embora a ordem de remoção seja baseada nas normas brasileiras, sua efetivação em outros países é um efeito natural do caráter transfronteiriço e global da internet.

              A decisão em questão foi proferida no Recurso Especial (REsp) 2.147.711, em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou o desafio de adaptar a jurisdição nacional à realidade transnacional da internet.

              No caso, a empresa Google Brasil Internet recorreu de uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que determinava a remoção global de um conteúdo difamatório contra uma empresa, postado originalmente no YouTube. O Google argumentou que tal ordem violaria a jurisdição brasileira e seria incompatível com os procedimentos específicos de cada país para validação de decisões judiciais estrangeiras. Alegou ainda que o Judiciário brasileiro não poderia impor “censura” de discursos além do território nacional, considerando que determinado conteúdo pode ser ofensivo pela legislação brasileira, mas aceitável em outros países.

              A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, destacou que a preocupação com a efetividade das decisões judiciais na proteção de vítimas de difamação na internet é um “fenômeno de jurisdição global”, comparável ao próprio alcance da rede mundial de computadores. Ela mencionou precedentes de tribunais de diversos países e ressaltou que o Marco Civil da Internet brasileiro adotou mecanismos que permitem a aplicação do direito nacional em casos que envolvem a coleta de dados em território brasileiro, mesmo que o armazenamento ou tratamento ocorra por meio de provedores sediados no exterior.

              No caso específico, a empresa lesada comprovou que, apesar de a decisão judicial ter sido cumprida no Brasil, o conteúdo ofensivo ainda estava disponível em países como Colômbia e Alemanha. Diante disso, a ministra concluiu que, enquanto não houver demonstração concreta de conflito entre o direito brasileiro e o de país estrangeiro, não cabe ao STJ emitir juízo sobre violação de soberania de forma abstrata. Ela afirmou que decisões com efeitos globais nessas circunstâncias refletem uma tendência internacional em conferir maior efetividade à resolução de controvérsias que transcendem fronteiras tradicionais.

              Essa decisão do STJ reforça a importância de uma abordagem jurídica que considere a natureza global da internet, buscando proteger direitos e reputações de forma eficaz, independentemente das fronteiras geográficas.

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